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A BALA DE HIDROGÊNIO

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Por MARCOS C. HOLANDA*

O ponto mais comentado do artigo que publiquei recentemente foi meu ceticismo em
relação a euforia que o hidrogênio verde está causando no Ceará. Vou procurar nesse
espaço apresentar em mais detalhes esse ceticismo. Como engenheiro, me fascina uma
fonte de energia que é gerada a partir de energias limpas e renováveis e ao ser usada
emite como resíduo apenas água e não o temido CO2. O problema é meu lado
economista que, de forma um tanto antipática, considera na sua avaliação a lei da oferta
e demanda de mercado, a eficiência no uso dos insumos, o custo final para o
consumidor, o uso do dinheiro público do contribuinte.


A produção de hidrogênio já existe no mundo e sua demanda só cresce para uso na
indústria química e na produção de fertilizantes. Ela é hoje majoritariamente feita a partir
de gás natural (hidrogênio azul ou cinza), em um processo bem mais barato que a
eletrólise de água (hidrogênio verde). Aí surge uma primeira pergunta: como o
hidrogênio é o mesmo, qual deles o mercado vai demandar? O caro ou o barato? Nesse
caso, como gerar demanda pelo mais caro? Só tem um jeito: subsidio público. Quem
paga? Os contribuintes que pagam impostos ou consumem energia mais cara.


O atrativo do hidrogênio verde é que ele permite a exportação de energias renováveis.
Como, no entanto, justificar que um país como o Brasil, que enfrenta ameaça de apagão,
direcione suas energias renováveis para exportação e não para consumo interno? Por
que não usar essas energias renováveis diretamente, criando industrias verdes aqui e
não lá fora?


Apesar de ser um sonho em termos de meio ambiente, por usar como insumo apenas
água e energia renováveis, o hidrogênio verde é muito pouco eficiente no uso desses
insumos. Temos aqui um processo de no mínimo três etapas. Primeiro temos a eletrólise
de água alimentada por energia eólica ou solar. Segundo o hidrogênio produzido tem
que ser comprimido ou liquefeito para viabilizar seu transporte. Terceiro o hidrogênio
transportado é usado diretamente ou transformado em células de combustíveis para
posterior geração de energia. Nessas etapas acontecem fortes perdas de energia, de
forma que de 100 unidades de energia eólica ou solar que se usa inicialmente restam
apena 30 unidades na ponta final de consumo. Em outras palavras, 100 unidades de
energia solar geradas no Ceará se transformam em trinta unidades de energia para
alimentar um carro movido a células de combustível na Alemanha ou um trem na China.
Não é mais interessante usar essas 100 unidades de forma integral aqui mesmo no
Ceará ou Brasil?


Por que então está acontecendo todo esse movimento com as empresas apresentando,
aos montes, protocolos de intenções? Primeiro, assinar um protocolo de intenção tem
custo zero. Segundo, elas estão simplesmente assumindo um posicionamento
estratégico na espera de subsídios dos países ricos e garantia de insumos baratos e
incentivos fiscais nos locais de produção. Terceiro, estão se preparando para fazer
aquilo que o mercado chama de “lavagem verde” que é o uso da produção de algum
hidrogênio verde para marketing ou para ofuscar aumento de produção de energia suja.

Por último, as perguntas mais importantes. O que o estado vai ganhar? Os ganhos vão
permitir a redução da pobreza e das desigualdades que temos? Vão elevar de forma
substancial nosso PIB? Vai ser a salvação da industria?


Aqui novamente entra o economista que gosta de fazer contas. Ele lembra que a maior
parte dos equipamentos vão ser importados, a menos da nossa já importante produção
de pás eólicas, que essa indústria é intensiva em capital e não em mão de obra, que a
produção é para exportação e dessa forma praticamente não paga impostos, que são
empresas estrangeiras e muito provavelmente vão remeter seus lucros para suas sedes
lá fora. Por último, lembra que nenhuma economia do mundo ficou rica exportando
energia.


Que são investimentos interessantes, não tenho dúvidas. Não tenho dúvidas, porém,
que os efetivamente realizados serão bem menores que aqueles dos protocolos de
intenções e que eles não vão gerar a inflexão de desenvolvimento que tanto precisamos.
Resta um prognóstico: a bala de hidrogênio é mais uma bala de prata que vai
ricochetear.

*MARCOS C. HOlANDA é Professor Titular UFC, Ex-Presidente do BNB e Fundador do IPECE

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