“Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.” — Friedrich Nietzsche
Por WALTER PINTO FILHO, Promotor de Justiça/CE
A minissérie Disclaimer, dirigida por Alfonso Cuarón, é um thriller psicológico em sete episódios que mergulha em memórias soterradas, silêncios e culpas. A história gira em torno de Catherine Ravenscroft, interpretada com precisão e frieza por Cate Blanchett. Mulher culta, charmosa, respeitada. Vencedora aos olhos do mundo, mas prisioneira de uma dor íntima: a distância brutal entre ela e o filho. Há algo que a consome, algo que não se diz.
Duas décadas antes, Catherine passava férias com o marido e o filho pequeno na Itália. O cenário parecia idílico — mas escondia decisões fatais. O pai retorna a Londres, deixando mãe e filho. É nesse intervalo que surge um jovem britânico, de 19 anos, fascinado por aquela linda mulher, envolta em mistério e charme. Ela lhe parecia inatingível — e isso apenas alimentava seu desejo. Passa a observá-la à distância e, sem que ela perceba, registra imagens suas com uma câmera amadora. A falha moral logo se concretiza.
Na manhã seguinte a um encontro noturno, Catherine reencontra Jonathan na praia. Saem para um banheiro, enquanto o filho é entregue aos cuidados de desconhecidos. Depois, adormece na areia. O garoto entra num bote e é levado pelas ondas. Jonathan mergulha para salvá-lo e consegue, com ajuda de socorristas — mas não volta do mar. Catherine, com o filho já em segurança, assiste à agonia do amante em silêncio.
A mãe de Jonathan, Nancy Brigstocke, deixa um manuscrito. Morre antes de revelá-lo, mas o livro é publicado. Um romance supostamente ficcional, com detalhes tão minuciosos que se torna evidente: trata-se de uma acusação velada. O pai, Stephen Brigstocke (Kevin Kline), quer mais do que justiça — quer vingança.
Fotos sensuais e comprometedoras de Catherine, registradas naquele verão italiano, emergem das sombras como veredictos silenciosos. Imagens esquecidas — mas letais — chegam anonimamente às mãos de Robert (Sacha Baron Cohen). A reação é imediata. Sem ouvir explicações, ele a expulsa de casa. Catherine tenta falar — mas o peso de uma imagem cala qualquer palavra.
Sentindo-se traído de forma vil, Robert procura Stephen e acredita em sua versão. Não sabe que um plano macabro está por trás da aparente silhueta de um velho viúvo e desolado — tudo é calculado friamente. Enquanto isso, Catherine luta mais uma vez para salvar seu filho, agora crescido. Ele está internado após uma overdose.
Stephen aproveita a oportunidade e invade o hospital com uma seringa letal. No instante da execução, é detido por um murmúrio do rapaz: “Mãe… mãe… eu quero ir…eu quero ir” — e chora. É a voz da infância revivendo o trauma esquecido. A frase ecoa como testemunha e expõe uma verdade soterrada. As fotos, antes usadas para difamar Catherine, trazem um detalhe decisivo que desmonta a acusação.
Mas Disclaimer impõe uma última reflexão: a mulher que criou o relato — a mãe sofrida — também desconhecia toda a verdade. Reconstruiu uma narrativa com base em fotos, suposições e memórias partidas. Imaginou que o filho fora seduzido e entregue à morte por uma mulher fria. Escreveu para transformar a dor em denúncia. Acho que foi injusta — mas o fez sob o peso de um luto insuportável. E, por isso, mesmo no erro, não podemos julgá-la impiedosamente.