O que grita a risível imagem do prefeito de Senador Pompeu se jogando do palco nos braços do povo e se estatelando no chão? Comemorando com seus munícipes 127 anos de emancipação, pobreza e atraso, o prefeito seguiu o roteiro fartamente conhecido: circo ao povão e pão aos irmãos. Na verdade o que vem se repetindo há décadas são processos “inconscientes ” e acelerados de imbecilização das gerações futuras pelo viés da introdução de uma nova e rasa “cultura”. O Ceará de José de Alencar, Raquel de Queiroz, Patativa, Chico Anysio, Belchior, Fagner, Dragão do Mar, Virgílio Távora, dentre tantos, se converteu no Ceará do Safadão, Xand Avião, Calcinha Preta, Calango Aceso, Sarto e Elmano. Essa enormidade de jovens da geração “nem-nem-nem”, que nem estudam, nem trabalham e nem deixam quem o faz em paz, vem sendo bombardeada diariamente por conteúdos toscos e vazios da programação cultural patrocinada com dinheiro público, ensinando as jovens a balançarem os glúteos, os jovens a serem glutões e ambos a morrerem antes do tempo vitimados pelas drogas e pelo crime. São muitos milhões ao ano torrados por Estado e municipios para dar um circo de periferia de terceira categoria a essa geração de vulneráveis culturais.
É sabido que o nível cultural de um povo ajuda muito a explicar o grau de desenvolvimento humano e o estágio de cidadania da coletividade. Mas como aferir esse nível cultural sem indexá-lo a educação? Afinal, Educação e Cultura estão umbilicalmente ligadas e servem para construir, por dentro, os cidadãos e cidadãs. Forjar desde cedo as crianças para a prioridade máxima dos estudos e disponibilizar educação de real qualidade deveria ser o gatilho para a mudança de rumo de um transatlântico estadual que tenha quase nove milhões de almas embarcadas. A coisificação do ambiente cultural no Estado prospera de forma escancarada e embalados pela péssima grade cultural patrocinada com dinheiro público e, pasmem, também por parte dos meios de comunicação. Aonde estão os incentivos aos Mestres da Cultura cearense? Talvez compondo os cachês milionários da axé music e dos cantores sertanejos do Brasil central.
Qualquer jovem cearense pode ter acesso a acervos com obras de artes de pintores e escultores consagrados pelas escolas de belas artes do mundo todo. O acervo da UNIFOR, a Universidade de Fortaleza, é de uma riqueza inquestionável. Obras de cair o queixo, de mestres da pintura vistos somente nos mais requintados museus da Europa. Fazer um joven cearense frequentar gratuitamente uma amostra, um museu ou uma biblioteca é tarefa difícil, contudo, quando a atração é o balançar das anitas e o rebolado dos safadões, essa meninada deixa de comer e respirar para comprar os ingressos. Será que nosso destino é ter uma parcela enorme de toscos tolos locais e uma mini-minoria de cultura refinada e global? Cabe aqui refletir sobre o comentário de certa socióloga e brasilianista que afirmava que “sendo nossos costumes muito primitivos, não vamos conseguir evoluir socialmente”.
Na primeira década deste século o Governo do Estado do Ceará e a APRECE – Associação de Prefeitos do Ceará firmaram um convênio com a AMP – Associação dos Municípios de Portugal no sentido de viabilizar uma agenda de intercâmbio de boas práticas de gestão pública nas áreas de educação, saúde, finanças públicas, turismo e cultura. Quais as políticas públicas de lá que poderiam ser adotadas cá e as de cá que poderiam ser implementadas lá? Autarcas de lá vieram e prefeitos de cá foram. 44 prefeitos cearenses cumpriram uma agenda de trabalho intensa e organizada pelos Portugueses. A estratégia era oportunizar aos gestores públicos cearenses uma experiência internacional, na medida em que bem mais da metade deles nunca tinham tido uma vivência dessas. Eram homens e mulheres, dos mais variados partidos políticos, cuja maioria só conheciam a região de seus municípios, Fortaleza, Brasília, etc. Óbvio, foram apresentados pela primeira vez na vida a um Passaporte. Como alguém de dimensão municipal/estadual será capaz de inovar na administração pública e fazer os indicadores sociais e econômicos darem um salto significativo? Como o povo sai da pobreza sem um prefeito conectado com os melhores métodos de gestão e solução dos graves desequilíbrios sociais?
Uma cena que roubou a cena se deu no voo que fez conexão em Madrid. Uma dupla de jornalistas que seguiam para a cobertura da Copa do Mundo na Alemanha já trataram de abrir seus laptops e escreverem, em plena madrugada e sobre o Atlântico, a sensacionalista e injusta manchete que ignorava os bos propósitos daqueles homens junto a O Povo de seus municípios: “O BOEING DA ALEGRIA”, ignorando que o avião era um AIRBUS A 330 de uma Aérea espanhola que voou por mais de um ano para Fortaleza trazendo muitos investidores e turistas, a qual concedeu um desconto de 60% nos bilhetes da delegação cearense. Piada pronta para os humoristas cearenses.
Enquanto não aprofundarmos a formação/visão internacional e choque qualitativo cultural de nossos homens e mulheres públicos continuaremos a assistir nosso Ceará agravar o derretimento de seu futuro nas entranhas de sua própria frigidez cultural, cada vez mais rasa e imbecilizante. Sendo assim, voltasse a esta terra o nosso Dragão do Mar e visse que continuamos escravizados, agora pelo aplicativo Smart-Senzala Cultural instalado em nossos jovens, choraria, pegaria sua Jangada e fugiria para abrir uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas e mergulhar na depressão de uma luta perdida.