Viramos coisas. Nossas vidas foram coisificadas. Não temos paz. A vida não vale nada e mata-se por tudo e morre-se por nada. Somos um misto de tragédias, chacinas, pobreza e violência. Viramos o mostruário de todas as mazelas sociais do precário Nordeste do Brasil. Aonde vivemos virou um caos e, pior, nos acostumamos com ele.
De um lado um povo cada vez mais pobre, ingênuo e ignorante, do outro o mundo do governo local. Temos dois mundos no Ceará separados por um verdadeiro apartheid: o mundo real e o mundo governamental. Nada parece funcionar e todos estão em dificuldades. O setor público simplesmente naufragou e o setor privado colapsou em algum lugar situado entre a crise de todos os brasileiros e a crise amplificada pela profunda insensibilidade do estado e município.
Os escombros do Edifício Andréa, que interrompeu e arrasou vidas, não podem ser entendidos como uma fatalidade. Não foi uma fatalidade, mas sim o suceder de descasos, omissões e erros próprios de uma cadeia de comando ignóbil sob todos os aspectos. A desfaçatez dos pronunciamentos só revela a baixíssima estatura de alguns homens públicos que ganham eleições. Aquela imagem de um secretário municipal fantasiado com o capacete de Policial Bombeiro, ao lado do Comandante da Corporação, é de uma repugnância a toda prova em face da grotesca evidência da exploração da cena da tragédia, da dor e do luto.
Condutas cínicas que agridem o bom senso são apresentadas na sequência das falas de quem deveria liderar esta terra de tantos brasileiros de valor. A palavra tem poder e o poder não tem palavra. Cada corpo resgatado é não apenas lágrimas para famílias enlutadas, mas sim um tapa na cara da dignidade de cada cearense. As pilastras do Estado estão abaladas há muito tempo e muitos não enxergam ou não querem enxergar. Alguns em suas zonas de conforto, sem confrontos, em troca de migalhas de uns cargos e uns contratos.
Estivessem sob os escombros da parceria público-privada que conseguiu demolir um prédio residencial, lutando por suas vidas, os responsáveis pelo descalabro conseguiriam alcançar um estágio bem mais avançado de comprometimento com a vida da grande maioria dos cearenses que continuam mergulhados na sub-cidadania da pobreza e da falta de educação.
Mesmo com o processo de Piaiuzação do Ceará em ritmo
acelerado, estamos com nosso PIB crescendo, ok? Estamos pagando em dia o
funcionalismo, ok? Tem um viaduto novo ali e um binário aqui. Temos um novo
Plano aqui e uma nova fábrica de sardinha ali. Os cabos de angola estão lá na
eterna praia do futuro e os aviões da Air France estão sendo pagos e pousando.
Passamos a viver dessa falácia da carta de são camilo aos Cearenissences,
enquanto Roberto Carlos canta “um milhão de amigos”.
Sem terremotos, prédios caem por ação, digo, falta de ação de órgãos e entidades que deveriam fiscalizar uma lei municipal ignorada pela própria prefeitura. Imaginemos se tivesse um tremor, quantos imóveis viriam abaixo por falta de manutenção?
Em breve esses mortos serão esquecidos por quase todos, serão estatística e ninguém será punido. Restará apenas o luto das famílias e tristeza no CEmitério de todos os Cearenses. Assim, rezemos por todas as vítimas, rogando por saúde aos feridos e pelo acolhimento, no melhor da morada de Deus, dos mortos na inocência e conforto de seus lares.